segunda-feira, novembro 29, 2004
Via do Infante : Scut ou Ccut?
Com a intenção de aproximar o litoral do interior e permitir o crescimento e desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas foram criadas as Scut, designação dada às auto-estradas Sem Custos para o Utilizador.
Estas obras foram concebidas e implementadas pelo Engº Guterres. No entanto, sendo estruturas desenvolvidas por entidades privadas e não sendo pagas pelo utilizador, terão que ser pagas por alguém, no caso o Estado.
Desta forma, a concessão Scut prevê a atribuição da concepção, construção e manutenção de uma auto-estrada a um consórcio de empresas, durante 30 anos. Por cada veículo que utilize a estrada o Estado paga um determinado valor previamente negociado com a concessionária.
Assim, o Estado não desembolsou, imediatamente, o valor da construção da empreitada, no entanto, ficou comprometido com o seu pagamento a médio e longo prazo, passando este encargo para as gerações futuras. Lá diziam os manuais de finanças públicas na Universidade que as despesas realizadas e não pagas pelas gerações actuais irão onerar e penalizar o bem estar das gerações futuras, pelo que tal prática não se afigurar como uma boa prática, antes pelo contrário.
A meu ver, não está em causa a construção das auto-estradas, mas será que se justificava a criação de tantas Scut quase em simultâneo, sendo que algumas se situam em regiões com um grau de desenvolvimento elevado e algumas próximas de Auto-Estradas já existentes?
O processo de lançamento das Scut's, nos moldes em que foi feito, foi de profunda irresponsabilidade, pois não só não foram acauteladas questões ambientais ou de expropriações e que encareceram substancialmente a construção, face aos valores inicialmente previsto, como também não foram acautelados os custos futuros resultante e a forma como iriam, e já estão, a condicionar as opções de política orçamental e fiscal das próximas décadas.
Para termos uma noção da grandeza dos números, em 2005, os custos estimados para o Estado serão de 500 milhões de euros. A partir de 2006, inclusivé, o Estado Português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros. A partir de 2011, inclusivé e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032.
Se somarmos àqueles montantes astronómicos os encargos anuais do Estado com funcionários públicos e pensões, bastar-nos-à efectuar uma simples operação aritmética para perceber que as receitas do Estado são insuficientes para fazer face aos encargos esperados durante as próximas décadas e uma vez que os encargos não poderão diminuir substancialmente pois parte resulta de custos fixos e de compromissos assumidos contratualmente, a única solução para este gravíssimo problema passa pelo aumento das receitas, sendo o final das Scut um contributo para tal.
Considero, no entanto, que esta solução não deve ser tomada sem que os devidos estudos de impacto económico sejam realizados, devendo mesmo ser ponderada a hipótese de acabar com as Scut em algumas vias e mantê-las noutras, solução que ainda não vi ser colocada por nenhum dos membros do governo ou órgão de comunicação social.
Na decisão de acabar com as Scut terão que ser ponderados os seguintes factores:
Não será mais dispendioso introduzir portagens reais do que manter as actuais portagens virtuais? Ao pretender aproximar estas vias das populações, foram criados mais acessos que nas Auto-Estradas "normais", pelo que haverá que criar um número elevado de portagens, ao que acrescem os encargos de manutenção, conservação e de pessoal;
Quanto custará proceder à alteração dos contratos estabelecidos entre o Estado e os consórcios construtores?;
A isenção dos habitantes e entidades locais, obrigará à implementação de soluções técnicas que contribuirão para onerar o processo.
No que respeita ao caso concreto do Algarve, a Via do Infante, não me parece adequada a alteração ao regime de isenção agora em vigor, senão vejamos:
Existem muitos acessos, pelo que os custos de implementação de portagens seriam bastante elevados;
Mais de metade da Via do Infante já se encontra construída há mais de uma década, tendo sido financiada por verbas nacionais e comunitárias, não se encontrando justificação para que, agora, passado todo este tempo se venha a pagar aquele troço;
O piso apresenta-se bastante degradado e é construído com recurso a materiais que nada têm a ver com uma auto-estrada "a sério";
Um aumento de encargos para as empresas da região penalizará a sua competitividade e consequentemente os seus resultados;
A Estrada Nacional 125 não poderá nunca, por mais melhorias que se venham a fazer, ser considerada uma alternativa viável à Via do Infante. A previsível transferência de tráfego para esta via, trará seguramente mais acidentes, com mortos e feridos. Os custos sociais e económicos associados a estas tragédias terão sido contabilizados?;
E, por último, e talvez mais grave, o facto de o Algarve ser a região em que o turismo é a actividade predominante, gerando um volume significativo de receitas para o país, que se encontra cada vez mais ameaçada pela concorrência agressiva da vizinha Andaluzia, onde existem boas vias de comunicação, gratuitas, num país em que até o combustível é substancialmente mais barato. É certo que um turista preferirá optar por um destino turístico onde se desloca de forma gratuita em detrimento de outro onde pagará "a cada passo que der";
O acto de implementação de custos de utilização em vias onde até agora se circula de forma gratuita, é um acto de coragem política, para mais num momento em que se seguem vários desafios eleitorais. Essa coragem não pode, no entanto, ficar por aí, mas o Governo tem que perceber que em algumas regiões os prejuízos provocados pelo fim das Scut's serão superiores aos benefícios daí resultantes, pelo que deverá ter também coragem para assumir as diferenças entre as várias regiões, optando por soluções diferenciadas, sendo que o Algarve é claramente uma região onde não poderá haver pagamento de portagens.
Resta-nos pois esperar que todos os actores regionais continuem mobilizados em torno desta causa fundamental para a região, e que impere o bom senso por parte dos nossos governantes, para que a Scut do Algarve não se transforme na Ccut (Com Custos para o Utilizador) do Algarve.
Carlos Jorge Baia
Gestor de Empresas
Jornal do Algarve 04.11.2004